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Novo PNE avança no Congresso, mas enfrenta desafios históricos para sair do papel

Em dez anos de vigência do PNE 2014-2024 apenas 4 das 20 metas foram cumpridas: sem financiamento robusto e mecanismos de cobrança, as metas no novo PNE correm o risco de não serem cumpridas mais uma vez

O novo Plano Nacional de Educação (PNE) — peça estratégica para o desenvolvimento da educação brasileira — tramita na Câmara dos Deputados enquanto é debatido no Senado desde 2024. Previsto para substituir o PNE 2014-2024, o projeto foi prorrogado até 31 de dezembro de 2025, mas a expectativa é aprovar a nova versão ainda este ano. Especialistas ouvidos nas audiências públicas têm alertado: sem financiamento robusto e mecanismos de cobrança, as metas correm o risco de não serem cumpridas mais uma vez.

O especialista em educação, professor e pesquisador da Feevale Gabriel Grabowski, ouvido pelo Extra Classe, destaca que em dez anos de vigência do PNE 2014-2024 apenas 4 das 20 metas foram parcialmente cumpridas e as outras 16 descumpridas e descontinuadas pelos governos.

“No conjunto do Plano, a maioria dos objetivos prescritos não foram cumpridos e nenhuma responsabilidade social, política e legal está sendo imposta aos gestores públicos responsáveis nas três esferas: federal, estadual e municipal.  A própria sociedade brasileira não cobra e nem se mobiliza em defesa de seus direitos a uma educação pública de qualidade social”, avalia.

O que é o PNE e por que ele é estratégico?

Previsto na Constituição Cidadã de 1988, o PNE deve articular ações da educação básica e superior, promover ciência e tecnologia e formar para o trabalho, fortalecendo a universidade pública como motor do desenvolvimento nacional — visão defendida por educadores como Darcy Ribeiro.

O primeiro plano só foi instituído em 2001 – com uma década de atraso – e vigorou até 2011. Após três anos de hiato, foi aprovado o PNE 2014-2024. A recorrente descontinuidade expôs a fragilidade do planejamento educacional no país.

Para Grabowski, no PNE 2025/2035,  que está atualmente em debate pelo menos pontos são estratégicos e fundamentais:

1)  continuidade aos planos decenais no país, pois sem estes planos seria muito pior da a educação e para os estudantes;

2)  é uma oportunidade de fazer mais e melhor do que foi feito com os últimos dois planos (2001-2011 e 2024-2024) que tiverem como marcas a descontinuidade e o descumprimento da maioria das metas

3) o Brasil e o povo brasileiro merecem uma educação básica e superior com maiores investimentos e qualidade.

Precisamos pressionar o Congresso Nacional e os demais entes da federação a termos Metas, Objetivos e Estratégias mais precisas e com prazos intermediários de implementação. O Projeto de Lei de  autoria do Poder Executivo, que está em tramitação na Câmara Federal é mais generalista e flexível em seus objetivos e estratégias que plano anterior, portanto, mas fácil para descumprimento e descontinuidade por governos que estão priorizando escolas cívico-militares, ataques aos professores e redução de investimentos na educação, cultura, ciência e tecnologia”, conclui o pesquisador.

Metas do PNE atual ficaram no papel

O plano vigente previa elevar a taxa líquida de escolarização (TLE) de jovens de 18 a 24 anos para 33% e garantir 40% das novas matrículas em instituições públicas.

De acordo com o INEP, entre 2014 e 2023, a TLE passou de 21,2% para 25,9% — 21,5% abaixo da meta. A participação das instituições públicas nas novas vagas nunca superou 12,7% ao ano e caiu para 7,4% em 2022, 81,5% abaixo do objetivo.

Para o novo PNE, a proposta eleva as metas para 40% de TLE e mais de 60% das matrículas no segmento público. Especialistas questionam a viabilidade sem financiamento adequado.

O que está na mesa de negociação da Câmara

O novo PNE prevê aumento salarial para professores, ampliação de vagas em creches (escolas de educação infantil), melhor infraestrutura escolar e canais de participação popular. O texto foi elaborado pelo Ministério da Educação com base em contribuições da sociedade civil e chegou ao Congresso em junho de 2024.

METAS – De acordo com a proposta do Executivo, para cada objetivo previsto no plano, foram estabelecidas metas que permitem seu monitoramento ao longo do decênio. São 58 metas, comparáveis com os 56 indicadores do PNE 2014-2024.

Para cada meta, há um conjunto de estratégias com as principais políticas, programas e ações envolvendo a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, para alcançar os objetivos propostos.

QUALIDADE – Segundo o governo, o novo PNE enfatiza a qualidade do ensino, com objetivos e metas focados em padrões de qualidade na educação infantil, na educação profissional e tecnológica, no ensino superior e na formação de docentes.

Além disso, há objetivos específicos para as modalidades de educação escolar indígena, educação do campo e quilombola. O projeto mantém metas para os públicos-alvo da educação especial e da educação bilíngue de surdos.

Há ainda a perspectiva da educação integral como conceito. O termo vai além da jornada expandida, para incluir as condições necessárias para o desenvolvimento pleno dos estudantes, com atividades complementares, como artes, línguas e esportes.

OBJETIVOS –  O novo Plano Nacional de Educação tem os seguintes objetivos conforme texto do Governo:

1 – ampliar a oferta de matrículas em creche e universalizar a pré-escola

2 – garantir a qualidade da oferta de educação infantil

3 – assegurar a alfabetização ao final do 2º segundo ano do ensino fundamental para todas as crianças

4 – assegurar que crianças, adolescentes e jovens concluam o ensino fundamental e médio na idade regular

5 – garantir a aprendizagem dos estudantes no ensino fundamental e médio

6 – ampliar a oferta de educação em tempo integral na rede pública

7 – promover a educação digital para o uso crítico, reflexivo e ético das tecnologias da informação e da comunicação

8 – garantir o acesso, a qualidade e a permanência em todos os níveis e modalidades da educação indígena, quilombola e do campo

9 – garantir o acesso, a oferta e a aprendizagem dos alunos da educação especial e bilíngue de surdos

10 – assegurar a alfabetização e ampliar a conclusão da educação básica para todos os jovens, adultos e idosos

11 – ampliar o acesso e a permanência na educação profissional e tecnológica

12 – garantir a qualidade e a adequação da formação às demandas da sociedade, do mundo do trabalho e das diversidades de populações na educação profissional e tecnológica

13 – ampliar o acesso, a permanência e a conclusão na graduação, com inclusão e redução de desigualdades

14 – garantir a qualidade de cursos de graduação e instituições de ensino superior

15 – ampliar a formação de mestres e doutores, de forma equitativa e inclusiva, com foco na solução dos problemas da sociedade

16 – garantir formação e condições de trabalho adequadas aos profissionais da educação básica

17 – assegurar a participação social no planejamento e gestão educacional

18 – assegurar a qualidade e a equidade nas condições de oferta da educação básica

Senado promove audiências públicas

A Comissão de Educação e Cultura (CE) do Senado tem debatido o PNE em audiências públicas. A presidente da comissão, senadora Teresa Leitão (PT-PE), quer aprovar a proposta até dezembro.

Especialistas elogiaram a integração das políticas educacionais e a possibilidade de cooperação entre União, estados e municípios para alcançar os 18 objetivos, divididos em 58 metas e 252 estratégias. Mas apontaram a falta de conexão com temas urgentes como a crise climática e a sustentabilidade.

Financiamento e lacunas

Entidades defendem destinar 10% do PIB à educação para viabilizar o plano. O projeto prevê aumento gradual de 7% até o sexto ano para 10% no fim do decênio.

O Fórum Nacional de Diretores de Faculdades (Forumdir) critica a ausência de previsão clara de financiamento para o ensino superior e considera insuficiente a meta de investimento público prevista.

Sistema Nacional de Educação é peça-chave

Especialistas defendem a aprovação do Sistema Nacional de Educação (SNE), em análise na Câmara, para articular as ações entre União, estados e municípios. Sem essa coordenação, afirmam, o PNE pode repetir falhas do passado.

Estudo do Senado aponta necessidade de responsabilização

Publicação do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado recomenda criar mecanismos para punir o descumprimento das metas. O estudo sugere mudar o período de vigência para 2026-2036 e avalia que a construção de consensos é urgente para garantir a efetividade do novo PNE.

Em resumo, o novo PNE nasce com metas mais ambiciosas, mas enfrenta obstáculos antigos: falta de financiamento garantido, ausência de coordenação federativa e histórico de descumprimento. Sem resolver esses pontos, o risco de ser mais um plano que não sai do papel é alto.

Em debate na Câmara

Novo Plano Nacional de Educação avança no Congresso, mas enfrenta desafios históricos para sair do papel

Manuella Mirella, presidente da União Nacional dos Estudantes

Foto: Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados

Em audiência na Câmara dos Deputados em 18 de julho, entidades ligadas a instituições, professores e estudantes universitários foram unânimes no pedido de reforço orçamentário para a viabilização das metas de acesso e de qualidade do ensino superior previstas no novo PNE.

A presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuella Mirella, foi enfática na defesa de investimento de, no mínimo, 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação. “O novo PNE não pode ser um documento de palavras mortas. Que o orçamento robusto seja direcionado à educação. Sem orçamento, a gente não consegue garantir qualquer meta discutida nesse novo plano ou em qualquer outro”, ressaltou.

O vice-presidente regional do Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (Andes), Emerson Monte, foi na mesma linha. “Sair do patamar de pouco mais de 2 mil dólares por estudante, que é mais ou menos a média de investimentos em educação pública no nosso país, é uma necessidade.”

Representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o reitor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Marcelo Pereira, reclamou do atual investimento público. “A nossa grande luta é pela qualidade da educação superior, e a gente não abre mão disso. Contudo, há uma grande preocupação que ameaça esse patrimônio público: é o orçamento escasso que historicamente tem sido passado para as nossas universidades”, apontou.

Metas até 2034

O debate foi realizado pela comissão especial que analisa o novo PNE. Até 2034, o plano tem meta de elevar para 40% o índice de jovens de 18 a 24 anos com acesso à graduação (hoje é de 21,6%) e de jovens de 25 a 30 anos com educação superior completa (atualmente é de 22,6%). Também busca a elevação gradual do número de concluintes até a média de 1,6 milhão de alunos por ano (hoje são 1,3 milhão, sendo 1,1 milhão na rede privada), com pelo menos 300 mil titulações em instituições públicas (hoje são 257 mil).

Também há previsão de que o PNE aumente para 70% o índice de docentes em tempo integral, hoje em 56%, e para 95% o percentual de mestres e doutores em trabalho efetivo (hoje o marco é de 85%) nas instituições de ensino, conforme destacou o diretor de estatísticas do Inep, Carlos Eduardo Moreno. “Mais do que a meta numérica, a gente está falando aqui de uma estratégia de escolarização. Isso está na média de países como a Alemanha, por exemplo, e superior à do Chile, cuja estratégia de escolarização leva em conta a educação profissional articulada com a educação superior”, afirmou.

O diretor da área no Ministério da Educação, Adilson de Carvalho, citou uma série de políticas em curso para viabilizar essas metas. A lista inclui o Programa Bolsa Permanência (16 mil beneficiados com R$ 1.400 mensais), o Pé-de-Meia Licenciaturas e a Política Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), criada pela Lei 14.914/24 e em fase de regulamentação.

“Todas essas iniciativas fazem parte do esforço do governo federal de enfrentar o problema do acesso e da permanência de forma sistêmica. E aí incluo o esforço de recomposição orçamentária da rede federal. O Enem, esse ano, passa a ser certificador também, então, você acrescenta um número maior de estudantes eletivos para o ensino superior”, disse Carvalho.

Democratização do acesso

Novo Plano Nacional de Educação avança no Congresso, mas enfrenta desafios históricos para sair do papel

Moses Rodrigues, relator da comissão especial

Foto: Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados

Entre as ações voltadas para a democratização do acesso ao ensino superior, Carvalho destacou o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), com quase 4 milhões de vagas ofertadas desde que foi criado, em 2010; o Programa Universidade Para Todos (ProUni), com 7 milhões de bolsas ofertadas e 1,5 milhão de diplomados em 20 anos; e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), com 2,9 milhões de financiamentos concedidos e 1 milhão de diplomados.

No entanto, o relator da comissão, deputado Moses Rodrigues (União-CE), apontou novos desafios em torno dessas políticas públicas. “Considerando que o projeto de lei do novo PNE propõe ampliar a taxa de acesso à graduação para 40% de jovens de 18 a 24 anos, é sabido que, apesar do número expressivo de bolsas, o ProUni tem registrado índices preocupantes de ociosidade. E observamos uma queda expressiva no número de candidatos ao Fies”, afirmou.

O deputado Átila Lira (PP-PI) pediu especial atenção ao orçamento do ProUni, do Fies e dos institutos federais, enquanto a deputada Professora Goreth (PDT-AP) cobrou financiamento diferenciado para superar desigualdades de acesso de estudantes e formação de professores na região amazônica.

Fonte: Extra Classe

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